A entrevista do ex-embaixador do Brasil nos EUA à Veja

Quem tomou conhecimento da entrevista que o ex-embaixador do Brasil nos EUA concedeu à última Veja por intermédio dos jornalões e de colunistas como Miriam Leitão ficou com a impressão de que Abdenur é só críticas à política externa do governo Lula. Mas isso não é verdade. Ele faz rasgados elogios a essa política na entrevista:

O Brasil engatou uma parceria com Índia, Japão e Alemanha para obter uma cadeira definitiva no Conselho de Segurança da ONU. É luta válida, que vai trazer resultados. Acho muito bom o que o governo tem feito para abrir novas frentes de comércio com países árabes, com o Sudeste Asiático, com a Ásia Central, com a África. Acho muito positiva também a forma inovadora de trabalho com o Ibas (grupo que reúne Índia, Brasil e África do Sul). É a primeira vez que três países grandes, de três continentes diferentes, se unem para buscar iniciativas conjuntas. Acho que o Brasil tem conduzido com amplo equilíbrio e proficiência as negociações da Rodada de Doha. O Brasil é um jogador decisivo, tem uma atuação de liderança no G20 muito importante. Há ainda a questão do Haiti, onde lideramos pela primeira vez uma ação de países latino-americanos em favor da paz. Enfim, houve acertos...

Ex-embaixador elogia relação com EUA

Pode parecer paradoxal, mas a relação do Brasil com os Estados Unidos prosperou significativamente nos últimos anos. Graças a uma pessoa que manda muito no governo brasileiro, uma pessoa de extremo pragmatismo e lucidez, que é o presidente Lula. Ele não esconde seu desagrado com algumas coisas que o governo Bush tem feito, particularmente no Iraque. Mas Lula sabe que uma relação melhor com os Estados Unidos é de interesse do Brasil. Quando fui assumir a embaixada, ele me disse: "Roberto, quero deixar como legado para o futuro bases ainda mais sólidas e mais amplas na relação entre os dois países". Como embaixador, tive algumas dificuldades, mas nada que fosse impeditivo.

As críticas de Abdenur

O que Abdenur critica - para alegria dos colunistas e blogueiros tucanos – é aquilo que ele chama de ideologização, uma doutrinação que estaria acontecendo no Itamaraty, onde pessoas com idéias mais afinadas com o governo são promovidas em detrimento de outras.

- As promoções internas têm como critério a afinidade de pensamento, e não a competência.

Mas, peralá. Quem é competente é competente para alguma coisa. No caso, competente para representar o país e a política externa brasileira do governo escolhido democraticamente pelo povo, nas urnas, no voto. Governo que tem o direito, portanto, de estabelecer as regras e prioridades dessa política, de acordo com o programa que apresentou para a população durante a campanha.

Se o ex-embaixador não concorda com essa política (o que não é o caso, já que faz rasgados elogios a ela, como nos exemplos acima), assim como vários colunistas e blogueiros, eles devem se unir e ver se conseguem chegar ao poder pelo voto nas próximas eleições. Assim poderão realizar a política externa de seus sonhos.

Abdenur diz que Itamaraty está pior que na ditadura

O ex-embaixador chega a fazer uma comparação da época de hoje com a do regime militar. Afirma que naquele tempo era melhor, porque não se cobrava ideologia de ninguém. Como não, cara-pálida? Quer dizer que a política do cacete, da prisão, da tortura é preferível a essa, que tem como critério – segundo Abdenur - a afinidade de pensamento, e não a competência? Quer dizer que era mais palatável (para o paladar dele, é claro) uma – segundo suas próprias palavras na entrevista – “política externa simplória, baseada na ideologia anticomunista, imposta à força pelos militares”?

Há três anos, um Abdenur diferente na IstoÉ

O que parece estar havendo é uma guerrinha interna no Itamaraty. Abdenur perdeu a embaixada e o prestígio. Está magoado e destila sua mágoa nas páginas amarelas de Veja. Mas isso é agora, quando está se sentindo como o patinho feio.

Numa reportagem da IstoÉ de abril de 2004, Abdenur é apresentado assim:

[O padrinho de Abdenur é...] Celso Amorim em pessoa. Abdenur é homem da mais absoluta confiança do chanceler. Quando Amorim foi chanceler de Itamar Franco, Abdenur era o secretário-geral do Itamaraty, segundo homem na hierarquia da carrière. Ele também é ligado ao atual secretário-geral, o polêmico Samuel Pinheiro Guimarães. Assim como Samuel, Abdenur não simpatiza muito com o unilateralismo americano. Também tem sérias restrições à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) – Abdenur acha que seria mais vantajoso para o Brasil fechar um acordo com a União Européia. “Espero que os Estados Unidos estejam conscientes do fato de que eles correm risco de perder terreno no Mercosul”, afirma.
Nos bastidores do Itamaraty, é dado como certo que a estada de Abdenur em Washington seria apenas um trampolim para vôos mais altos. Pelas regras da casa, ele só poderá ficar no exterior até a metade de 2005. A grande aposta é que ele ocupará a cadeira de Samuel Guimarães.

Como nada disso aconteceu Abdenur anda bicudo como um tucano e a imprensa que se identifica com essa ave da família dos ranfastídeos faz a festa. A triste festa dos perdedores, que unidos ao ressentido-mór, FHC, “pulula na crítica e nos hebdomadários”, como disse Maiakovsky, via Haroldo de Campos.