A morte e a outra morte do menino João (o caso Veja)

Em sua busca por satanizar o problema da violência no Brasil e na busca mais pragmática por faturar a indignação e o sofrimento dos outros, a revista Veja da semana passada produziu uma das mais abjetas páginas do jornalismo, com a descrição minuciosa do padecimento do pequeno João.

Detalhes escabrosos, sentimentos mórbidos, escondidos numa pretensa descrição imparcial dos fatos. Sim, porque a Veja foi além de qualquer tablóide mais vagabundo, desses que se dizia antigamente que quando se espreme sai sangue, narrando os pormenores do que teria acontecido ao corpo do pequeno João, enquanto era arrastado pelo carro dos criminosos por vários quilômetros.

Qual o interesse de tal narrativa? Qualquer um que tenha ao menos dois neurônios, o Tico e o Teco, em funcionamento e se comunicando é capaz de imaginar o que aconteceu ao corpo do garoto. Em que a descrição do que de fato teria acontecido ajuda?

É apenas carniça para alimentar os abutres de plantão, aqueles que querem o estado vingador, um estado “prende e arrebenta” ao estilo da ditadura para não ter que falar no escândalo maior desse país, que é a causa primeira da imensa maioria dos conflitos que estão aí: 91% das riquezas do Brasil estão nas mãos de apenas 4% da população.

Quem é o menor infrator

Dados do Degase, que cuida dos menores infratores no Rio de Janeiro, mostram que 70% dos adolescentes atendidos têm renda familiar de menos de um salário mínimo. Mais 15% de até dois salários.

80% deles têm o ensino fundamental (o antigo primário) incompleto. 5% deles são analfabetos.

85% são negros (43%) e pardos (42%). Os brancos são 15%.

Esse é o perfil do jovem infrator: preto ou pardo, com renda familiar de até um salário-mínimo e com o ensino fundamental incompleto.

Esses jovens são os atuais inimigos dos abutres, que se alimentam em reportagens como a da Veja, e se amparam na desculpa de que a injustiça social não justifica o crime. Concordo. Mas, na maioria das vezes, explica.