Notícias Desaparecidas: Pelo menos GM, Chrysler, Scania, Firestone, Philips e Volks ajudaram a ditadura no Brasil

Como todos sabemos, houve uma ditadura no Brasil. O golpe que veio a originá-la aconteceu num 1° de abril como hoje, há 43 anos, mas foi oficializado como se tivesse acontecido um dia antes, no dia 31 de março, para fugir do estigma do Dia da Mentira, numa das primeiras falsificações (não a última, nem a mais importante) da História que se iria praticar naqueles tempos.

Por isso escolhi para inaugurar esta nova seção do Blog – Notícias Desaparecidas – um tema que ainda não foi devidamente esclarecido: a colaboração das grandes corporações com a ditadura.

Em maio de 2005, uma reportagem de José Casado, publicada em O Globo e reproduzida no Blog do Noblat, tratava do assunto.

A cooperação entre empresas e ditadura militar foi permanente, intensa e quase sempre discreta, revelam documentos inéditos guardados nos arquivos do extinto Dops paulista.

Uma parte foi descoberta e entregue ao GLOBO pelo historiador Antonio Luigi Negro, autor de um excelente livro sobre a emergência do sindicalismo brasileiro depois da Segunda Guerra (“Linhas de Montagem”, Editora Boitempo, 2004).

Outros papéis foram localizados em arquivos públicos e particulares de São Paulo, Buenos Aires e Washington.

O conjunto é eloqüente na demonstração de um colaboracionismo muito além dos milionários donativos empresariais recolhidos pelo banqueiro Gastão Vidigal, o industrial Henning Albert Boilesen e o advogado Paulo Sawaia para custear a criação de um corpo de polícia política dentro do Exército (a Operação Bandeirantes).

O intercâmbio entre empresas e órgãos de segurança ultrapassou o fornecimento rotineiro de Fuscas da Volkswagen, de Galaxies blindados da Ford, de caminhões da Ultragás, de refeições congeladas Supergel e de “gratificações” às equipes dos porões do regime.

Grandes empresas recrutaram pessoal nas Forças Armadas e na polícia, mantiveram aparatos de espionagem dos empregados dentro das fábricas e nos sindicatos. A Volks e a Chrysler, por exemplo, repassaram listas de funcionários aos órgãos de segurança, às vezes com as respectivas fichas funcionais. Na semana passada, ambas negaram o envolvimento.

A Volks ressalvou ter sido “sempre apolítica”. A DaimlerChrysler alegou total desconhecimento, “portanto não temos comentários”.

E mais não lhes foi dito. E mais não lhes foi perguntado.

Na Argentina, a história é outra

No outro dia, o jornal voltou ao assunto, com nova reportagem de Casado. Nela, ficamos sabendo que, se no Brasil a história estava abafada, na Argentina a conduta era outra, bem diferente:

Na Argentina, durante a ditadura, essa mesma conduta gerou uma série de processos judiciais contra grandes corporações. Um deles, contra a Ford, tem audiência judicial amanhã. Nos EUA, correm processos contra a Ford e a DaimlerChrysler, movidos por famílias de argentinos desaparecidos depois de presos nas fábricas.

Comandante de campos de extermínio nazista organizou segurança da Volks no Brasil

Outra reportagem de Casado em O Globo informava:

Nos arquivos da polícia política há uma profusão de registros e listas de empregados remetidos por empresas privadas, com dados para identificação individual. As fichas serviam a todos os órgãos de segurança. Com freqüência, davam origem a inquéritos no Departamento de Ordem e Política Social (Dops) — e, claro, a detenções.

Ainda na mesma reportagem, esta informação (o grifo é meu):

Uma das que mais investiram [em departamentos de segurança] foi a Volkswagen, cujos pátios reuniam cerca de 30 mil funcionários. Entre os especialistas que contribuíram na montagem do "serviço" da Volks estava o alemão Franz Paul Stangl. Fugitivo nazista, fora privilegiado por Hitler com o comando de dois dos principais campos de extermínio do III Reich na Polônia, Sobibor e Treblinka. Descoberto e preso, foi extraditado em 1967.

Depois o assunto sumiu, e agora encabeça a nossa seção de Notícias Desaparecidas.

Em países onde a imprensa é verdadeiramente livre, até mesmo as grandes corporações morrem de medo dela, porque sabem que imprensa pode revelar seus intestinos. Aqui no Brasil é a imprensa que morre de medo (tá bom, não é medo, são intere$$e$) das empresas.

Vamos parar com isso?

Ah, e se você tem Notícias Desaparecidas para sugerir, colabore.

(Hoje à noite, "Intervenção kafkiana em Ipanema", no Blog do Mello - crônicas)