Ali Kamel e o ‘jornalismo independente’ da ‘grande imprensa’

Em artigo publicado no jornal O Globo, o diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, defende a chamada grande imprensa de ataques que estaria sofrendo, a seu modo de ver, injustos.

Em defesa de seu ponto de vista, Kamel afirma que os que atacam a “grande imprensa” são, em geral, financiados por empresas e fundos de pensão ligados ao governo, enquanto a “grande imprensa”, graças à imensa gama de anunciantes, teria independência para noticiar os fatos, sem que tivesse que agradar ao governo de plantão.

“É uma tautologia, mas, na atual conjuntura, vale dizer: o jornalismo só é livre e independente quando não depende de nenhuma fonte exclusiva de financiamento.”

Por esse raciocínio, apenas os milionários e os ascetas – porque estes nem dos anunciantes necessitariam - poderiam praticar o verdadeiro jornalismo.

Mas, como não é disso que se trata, convém que olhemos com mais profundidade essa tal pluralidade de anunciantes que gerariam uma maior independência da “grande imprensa”.

Ela é tão plural assim? Quem são os anunciantes da Rede Globo e de O Globo, por exemplo? Em geral, além das empresas e fundos de pensão do governo, as grandes e médias empresas, além das “vagabundas” (em quem o diretor do BBB, Boninho, adora atirar ovos podres), que, anunciando seus corpos nos classificados de O Globo, por exemplo, contribuem para que seu jornalismo se mantenha “independente”.

E o que querem esses anunciantes que pagam caro por suas mensagens? É outra tautologia, mas eles querem, obviamente, que consumam seus produtos. Portanto, querem atingir aqueles que podem pagar os produtos que eles anunciam, ou sonham em fazê-lo – e assim se endividam nos cartões de crédito (grandes anunciantes) e procuram bancos e financeiras (outros grandes) para pagar suas dívidas, mediante empréstimos.

Portanto, não é qualquer audiência. Se fosse assim, até hoje estaria no ar o programa Aqui e Agora – lembram-se dele? Ia ao ar pelo SBT e dava uma surra na Globo todos os dias. Tinha uma audiência fantástica. Seu diretor – Amaury Soares – veio a ser, posteriormente, diretor do Jornal Nacional. No entanto, o programa saiu do ar. Por quê? Por falta de anunciantes, que não se interessaram por seu público.

Desse modo, o público a quem o tal “jornalismo independente” da “grande imprensa” que atingir é – e isso também é uma tautologia – o público que pode comprar os produtos de seus anunciantes. E como atingi-lo?

A resposta foi dada por um grande empresário do “jornalismo independente” da “grande imprensa”, Roberto Civita, dono da Abril e da Veja. Em entrevista ao Jornalistas&Cia, ele afirmou:

“...Os leitores clamam, (...), querem que a sua revista se indigne. Eles querem. Os brasileiros, hoje, não posso falar de outras partes do planeta, mas os leitores de Veja querem a indignação de Veja. Eles ficam irritados conosco quando não nos indignamos. Estou tentando explicar, não justificar. Acho que Veja se encontra toda semana na difícil posição, de um lado, de saber que reportagem é reportagem e opinião é opinião, sendo que não tem editoriais além daquele da frente; e, de outro, sabendo que os leitores..."

É em busca desse público indignado (que descarrega essa indignação na ostentação e no consumo – às vezes também jogando ovos em “vagabundas”, agredindo domésticas e queimando índios), que se movem o “jornalismo independente” e os anunciantes. Um deles - a Peugeot - chegou ao cúmulo de se aproveitar da tragédia com o avião da TAM para informar que estaria retirando um comercial do ar, em memória das vítimas, quando o anúncio da retirada já havia sido feito na semana anterior, e por outros motivos (uma suposta censura do governo federal).

Termino citando literalmente o último parágrafo do artigo de Kamel:

“Já aqui, temos de conviver com essas bazófias. Porque aqui, ao contrário de lá, há quem queira que a informação esteja a reboque de projetos de poder.”

Pois é, Kamel, quando vamos parar com essas bazófias? Quem tem projetos de poder é quem não está no poder. É uma tautologia, mas, na atual conjuntura vale dizer.

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