“Carros da [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’ ”

Do Escrevinhador, do jornalista Rodrigo Vianna, onde você pode ver a reportagem completa.

Carlos Eugênio Paz foi militante da ALN. Na luta armada, ele usava o codinome de “Clemente”.

O “Escrevinhador” entrevistou Carlos Eugênio sobre o envolvimento do “Grupo Folha de S. Paulo” com o aparato repressivo: “Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha ”, disse o ex-guerrilheiro. “O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso”, acrescentou.

Perguntei a Carlos Eugênio se a ALN planejou alguma ação direta contra a família Frias, na linha da execução de Boilesen: “Não (…),mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da ditadura de direita.”

O envolvimento dos Frias com o DOI-CODI não aparece só nos relatos de ex-militantes.

Em seu livro “Ditadura Escancarada” Élio Gáspari (hoje, curiosamente, colunista da “Folha”) publica (sem grande alarde, porque ele não está aqui para causar constrangimentos à família Frias) uma informação interessante:
“Carros da empresa [Folha] eram emprestados ao DOI, que os usava como cobertura para transportar presos na busca de ‘pontos’ ” (p. 395).

Podem checar: a frase está lá no livro do Gáspari.

Os Frias nunca negaram o fato. Fingem-se de mortos. Talvez, não seja mais suficiente. Até porque, daqui a pouco pode aparecer alguém pra fazer um documentário sobre o “Cidadão Frias”. Material e testemunhas não faltam.

(a seguir, a íntegra da entrevista com Carlos Eugênio Paz, feita por e-mail)

1) Durante o período em que voce esteve à frente da ALN (1970/1972) , soube do envolvimento direto do grupo “Folha” com a OBAN/DOI-CODI?

O Grupo Folha, que apoiou o golpe de estado de direita de 31 de março de 1964 desde suas primeiras horas – basta ver as manchetes, as reportagens e os editoriais da Folha de São Paulo da época -, colaborou diretamente com a repressão política. Carros de suas publicações eram usados para disfarçar investigações e cercos e chegaram inclusive a transportar companheiros presos para o DOI-CODI. Agentes da Operação Bandeirantes serviam-se dos carros do grupo para transitarem sem serem identificados por nós como policiais.

2) A ALN chegou queimar carros da “Folha”? Por quê?
Sim, a Ação Libertadora Nacional queimou vários carros da Folha como represália à participação do Grupo Folha no financiamento da repressão e o uso de seus carros na repressão direta. Ao fazer isso, o Grupo Folha, participando diretamente da guerra, era passível de sofrer as sanções e as represálias da guerra.


3) A Familia Frias teria se mudado para o prédio do jornal, nos anos 70, temendo represálias dos grupos de esquerda. ALN chegou a planejar alguma ação contra o jornal ou os Frias?
A ALN não chegou a planejar nenhuma ação desse tipo, mas poderíamos ter chegado a isso, dada a participação direta deles na guerra, escolhendo o lado da ditadura de direita.

4) ALN chegou a elaborar lista com nomes dos principais financiadores da OBAN? Quem estava nessa lista? Alguém ligado à “Folha” constava? Havia provas contundentes? Sobrou algum documento da organização da época que faça referencia a isso?
A ALN tinha conhecimento de vários financiadores da OBAN. Entre eles estavam o Sr. Frias, Presidente do Grupo Folha, o Presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen, o Presidente do Grupo Ultra, Peri Igel, o Presidente do Banco Brasileiro de Descontos – Bradesco, Amador Aguiar, o Presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, que inclusive cedia a sede desta entidade para reuniões arrecadatórias, e muitos outros. Havia provas cabais e contundentes. Uma amostra disso foi o justiçamento de Boilensen, que mesmo na época ficou claro ser um quadro do sistema repressivo. Hoje, com o filme “Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski, mais ainda. Como todos sabem, numa luta clandestina pouco se escreve por motivos de segurança, então evitávamos colocar no papel esse tipo de informação. Mesmo assim, alguns companheiros às vezes cometiam esse tipo de erro. Dessa maneira, em alguns aparelhos abandonados às pressas ou tomados pela repressão, chegaram a cair alguns papéis com nomes dessa lista. Quando os arquivos do DOI-CODI forem finalmente abertos, a população poderá tomar conhecimento de muitos fatos como esse.

5) Em seu livro (“Viagem à Luta Armada”) , você relata o caso de Solange (militante que foi torturada na OBAN, sobreviveu, e depois ajudou a reconhecer Boilesen como torturador). Você lembra de algum militante de esquerda ter dado informações diretas, semelhantes às de Solange, sobre a presença de carros da “Folha” nas operações da OBAN?
Lembro sim. Houve companheiros que, presos nas mão do DOI-CODI, foram transportados em carros da Folha. Assim como fiz no caso da companheira Solange, reservo-me o direito de não citar seus nomes, por respeito a eles e às normas de segurança. Quero dizer que compreendo o desejo de sigilo por parte de todos os companheiros da ALN e sempre o respeitarei.

6) Como avaliou o fato de a “Folha” – que nunca se pronunciou sobre esses episódios nebulosos – ter se referido à ditadura como “ditabranda”, em recente editorial?
O Grupo Folha apoiou o golpe de estado, financiou e participou diretamente da repressão e jamais fez autocrítica disso. Aliás, comportamento adotado pela direita brasileira em seu conjunto. Hoje falam de democracia como se tivessem sido democratas a vida inteira. Roberto Marinho, por ocasião de seu falecimento, foi saudado como um democrata, Frias também. Grupos econômicos que financiaram a repressão hoje saúdam a democracia. Um dos defensores e redatores do AI-5, o Cel. Jarbas Passarinho, posa de tolerante e democrata. Ao mesmo tempo, quando falamos de abrir os arquivos da ditadura, quando pedimos os corpos de nossos desaparecidos para que suas famílias possam enfim chorá-los e descansar, quando queremos saber como esses assassinatos foram perpetrados, muitas vozes se levantam nos acusando de revanchistas. O Grupo Folha está, quando fala de “ditabranda”, onde sempre esteve, à direita da sociedade, e defende a ditadura. Talvez eles achem que se devesse, na época, ter cometido ainda mais e mais graves crimes contra o povo brasileiro.

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