Ratos começam a surgir pelos buracos de queijo suíço do Ecad

O repórter da Folha Graciliano Rocha pesquisou para descobrir quem era Milton Coitinho dos Santos, um falso compositor que teria recebido quase R$ 130 mil do Ecad de composições que nunca foram suas, como mostrei aqui em O que é o roubo no Ecad comparado ao Ecad?.

A pesquisa de Graciliano o levou a Bagé, no Rio Grande do Sul, onde mora o falsário. Chegando lá, surpresa. O falsário não é falsário, mas um motorista de ônibus. Dados de seus documentos foram utilizados por alguém para registrá-lo como compositor na União Brasileira dos Compositores (UBC), uma das entidades que formam o Ecad. Aí entra Bárbara de Mello Moreira: ela era a procuradora que recebia os valores das "composições" de Milton Coitinho dos Santos.

A seguir a reportagem de Graciliano Rocha, que contou com a ajuda de Amanda Queirós. Parabéns aos dois. E logo abaixo uma reportagem com Bárbara de Mello Moreira.

Laranja é utilizado para desviar pagamento de direitos autorais

"Se tivesse recebido esses R$ 130 mil não estava aqui dirigindo ônibus, né?", diz Milton Coitinho

CPF e RG foram usados para pagamento por trilhas de cinema, mas condutor afirma que não toca instrumento

Um homem que nunca compôs uma só canção e não toca nenhum instrumento musical consta como beneficiário de R$ 127,8 mil em direitos autorais de 24 trilhas sonoras do cinema nacional.

Encontrado pela Folha na garagem da empresa de ônibus onde trabalha, em Bagé, o motorista Milton Coitinho dos Santos, 46, demonstrou surpresa ao ser questionado se compusera as trilhas que o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) lhe atribui: "Eu? Não toco violão, viola nem essa gaita aqui [referindo-se ao acordeon usado na região]".

O CPF e o número de identidade de Coitinho constam como destinatário dos pagamentos feitos em 2009 (R$ 33.364) e 2010 (R$ 94.453), mas seu padrão de vida é humilde: mora em uma casa modesta numa rua de terra na periferia de Bagé com a família e dirige um Gol 1996.

Trabalha há três anos na Kopereck Turismo como motorista, onde recebe salário de R$ 1.030 por oito horas diárias transportando trabalhadores de Bagé à usina termelétrica em Candiota (RS). "Se eu tivesse recebido esses R$ 130 mil não estava aqui dirigindo ônibus, né?

Alguém só pode estar usando meu nome", afirmou. Em 2009, alguém usou os dados de Coitinho para registrá-lo na União Brasileira dos Compositores, uma das entidades que formam o Ecad, como autor das trilhas sonoras de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964) e "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha. Até a trilha de "O Pagador de Promessas" (1962), de Anselmo Duarte, produzido dois anos antes de o motorista nascer, foi incluída.

Um dos rastros deixados pelos fraudadores foi uma ficha de filiação do falso Coitinho à UBC. No documento, o nome, os números da cédula de identidade e do CPF coincidem com o de Coitinho.

Nada mais confere: o "compositor" diz no documento que nasceu em Porto Alegre em 1940, mas o verdadeiro Coitinho nasceu em Bagé em 1964. A foto mostra um homem de aspecto mais velho que o do motorista. A ficha da UBC e uma procuração em nome da estudante Bárbara de Mello Moreira para que ela recebesse os valores dos direitos autorais contêm assinaturas de Coitinho, mas elas não conferem com as do condutor. Coitinho disse que não conhece Bárbara Moreira e que jamais morou no exterior, como diz o registro do Ecad.

Agora, fala Bárbara, também à Folha de hoje.

Procuradora diz que "músico" vive nos EUA

Bárbara de Mello Moreira, 24, procuradora de Milton Coitinho dos Santos, diz que ele mora nos EUA, onde se apresenta em bares, e fez contato com ela pela última vez no princípio do ano.

Estudante de direito, ela afirma que só recebeu o dinheiro e o repassou a Coitinho. Disse ainda que tem documentos assinados pelo próprio a isentando de qualquer responsabilidade.

A estudante diz que foi procurada pelo músico por e-mail. Na ocasião, ele explicou ter chegado a ela por sugestão da própria UBC.

A diretora executiva da União Brasileira de Compositores, Marisa Gandelman, nega ter indicado Bárbara ao suposto músico. Gandelman diz que desde outubro, quando começou a investigar o golpe, a entidade investiga a possibilidade de um "laranja" ter usado papeis falsos.

Segundo ela, na documentação consta que Milton Coitinho é tenente-coronel da PM. Ela disse que pretende investigar se alguém na entidade ou no Ecad ajudou no golpe. O Ecad não retornou o pedido de entrevista.

Está aberta a caixa de Pandora do Ecad.

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