FELIZ ANIVERSÁRIO, FERNANDO PESSOA

Amanhã, 13 de junho, é dia do aniversário dele, o figuraça múltiplo Fernando Pessoa.
Olha o que ele escreveu sobre isso :

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No TEMPO em que festejavam o dia
dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era
uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha,
estava certa com uma religião
qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia
dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não
perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a
família,
E de não ter as esperanças que os
outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não
sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida,
perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-
mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-
província,
O que fui de amarem-me e eu ser
menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só
hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia
dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a
umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que
me amaram treme através das
minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a
casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-
mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia
dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa,
esse tempo!
Desejo físico da alma de se
encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para
mim...
Comer o passado como pão de
fome, sem tempo de manteiga nos
dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez
que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares,
com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas —
doces, frutas o resto na sombra
debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes,
e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia
dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na
cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado
roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia
dos meus anos!...