Espantoso não é que haja uma chacina como a do presídio no Amazonas. Espantoso é que seja apenas uma


O mito do brasileiro cordial vem sendo derrubado na porrada. Principalmente nos últimos tempos em que o Brasil fervilha. 

Desde os movimentos em São Paulo em 2013, que não eram só "pelos 20 centavos" como ficou claro com o golpe do impeachment, o Brasil está dividido como um Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Vasco, Atlético e Cruzeiro, Inter e Grêmio, Bahia e Vitória e por aí vai...

A turma do bala, porrada e bomba está no comando e não é de estranhar que a violência acabe explodindo, como na chacina de Campinas, onde um assassino covarde matou doze pessoas, inclusive ex-mulher e seu filho de oito anos, e depois deu um tiro na própria cabeça (se tivesse invertido a ordem dos fatores, teria alterado o produto e o resto não teria acontecido), e a outra, horrenda e tenebrosa, ocorrida num presídio em Manaus, que resultou na morte de 56 pessoas, muitas decapitadas e destroçadas barbaramente. E ainda estamos na primeira semana do ano...

Mas, o espantoso, como afirmo no título, mais espantoso é que isso não ocorra diariamente. Se está difícil para o brasileiro comum viver nas ruas, imagina a vida dos encarcerados, em prisões insalubres, superlotadas. 

Em sua coluna da Folha, o jornalista Janio de Freitas lança luz sobre a situação de nossos presídios:

Dos 622 mil encarcerados, mais de 40%, ou cerca de assombrosos 250 mil, estão sob prisão "provisória" há meses, há anos, que deveriam durar 30 dias, se tanto. Ou nem isso, porque esses "provisórios", se e quando afinal chegam ao julgamento, na maioria são absolvidos.

Logo, nem sequer precisariam ou deveriam passar por prisão provisória. No Amazonas, dos 4.400 encarcerados, 2.880, ou 66%, são presos "provisórios". Não menos expressivo da secular e perversa indiferença brasileira: cerca de metade dos sentenciados à cadeia não cometeu crime violento. Ao menos parte, portanto, e o provável é que grande parte, conforme o Direito Penal menos obsoleto, deveria cumprir penas alternativas, sem chegar ao cárcere.
Mais do que um ponto fora da curva, a chacina é um grito desesperado por uma Justiça que só existe para os poderosos e nos salamaleques e contracheques nababescos de juízes e desembargadores e promotores e essa gente toda com seu palavreado rococó ridiculamente trajada.