Mais uma vitória da blogosfera: Herdeiro da Folha reconhece que ‘ditabranda’ foi um erro

Antes da internet e de uma blogosfera ativa, o editorial da Folha do dia 17 de fevereiro chamando de ditabranda a ditadura brasileira passaria batido. Cartas de leitores seriam selecionadas pela redação do jornal, e vida que segue. Mas nos novos tempos isso já não é mais possível. A reação da rede deixou atônita a direção da Folha, que pareceu ter sido pega de surpresa.

A primeira reação do jornal (ou seria apenas de seu diretor de Redação e herdeiro, Otavio Frias Filho?) foi a usual neocon: tentar desviar o foco do assunto com outro ataque. No caso aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victória Benevides, chamados de cínicos.

Não adiantou. Pelo contrário, a indignação aumentou. E a história pregressa da Folha começou a correr pela internet de uma forma que deixou o jornalão muito mal na fita. Quem não sabia, ficou sabendo da participação ativa da Folha no auxílio a torturadores do Deops, quando carros da empresa foram usados para o transporte de presos; do editorial escrito por Otavio Frias pai, com elogios ao ditador Garrastazu Médici; da demissão de uma repórter por “abandono de emprego”, quando todos sabiam que ela estava presa pela ditadura.

Ontem, centenas de manifestantes se reuniram em frente ao prédio da Folha em São Paulo, num ato organizado pelo Movimento dos Sem Mídia, presidido por Eduardo Guimarães, do blog Cidadania, fundamentalmente em protesto contra o editorial, mas também em apoio aos professores ofendidos.

A pressão fez a Folha recuar. Hoje o jornal publica nota em que o diretor de Redação e herdeiro do jornal, Otavio Frias Filho, reconhece que foi um erro chamar a ditadura brasileira de ditabranda. Menos mal.

No entanto, Otavinho, como é conhecido, insiste em atropelar a realidade ao fazer interpretação literal de uma carta do professor Fábio Konder Comparato, e, pior, volta a ofender o professor e a professora Maria Victória Benevides chamando-os de “democratas de fachada”.

Com isso ele consegue corrigir-se no essencial, mas, como um legítimo neocon, cai atirando. Sua expectativa com a nota é tentar transformar o mea culpa a que se viu obrigado de uma “quase derrota” em uma “quase vitória”. Erra novamente.

A seguir, a nota do diretor de Redação e herdeiro:

"O uso da expressão "ditabranda" em editorial de 17 de fevereiro passado foi um erro. O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis.
Do ponto de vista histórico, porém, é um fato que a ditadura militar brasileira, com toda a sua truculência, foi menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena -ou que a ditadura cubana, de esquerda.
A nota publicada juntamente com as mensagens dos professores Comparato e Benevides na edição de 20 de fevereiro reagiu com rispidez a uma imprecação ríspida: que os responsáveis pelo editorial fossem forçados, "de joelhos", a uma autocrítica em praça pública.
Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos das ditaduras de esquerda com as quais simpatizam."
Otavio Frias Filho

O mal desses jovens criados em outros tempos (alguém leu “A Infância de um Chefe”, de Sartre?) é que têm dificuldades em aceitar os próprios erros e sempre procuram alguém a quem culpar por seu comportamento.

Não seria bem mais fácil se a Folha, desde o início, tivesse publicado um Erramos? Afinal, eles mesmos confessam que vivem errando:

"Diferentemente do que foi publicado na seção de necrologia, caderno São Paulo, nos dias 24/6 (pág. 3-6) e 25/6 (pág. 3-8), não houve missa de Ricardo Bacanhim Pereira. Ele está vivo." (27.jun.97)

"O quadro da edição de 9/1 de 'Ciência', referente à reportagem 'Viagra para mulher', à pág. 25 do caderno Mais!, indica erroneamente a vagina no local do ânus. No mesmo quadro, o testículo está incorretamente indicado no local do escroto." (14.mar.00)

"Diferentemente do que foi publicado no texto 'Artistas periféricos passam despercebidos', à pág. 5-3 da edição de ontem da Ilustrada, Jesus não foi enforcado, mas crucificado, e a frase 'No princípio era o Verbo' está no Novo, não no Velho Testamento." (7.dez.94)

"O nome do maestro Eleazar de Carvalho saiu grafado errado na edição de ontem à pág. 1-9 do caderno Brasil." (5.jul.94) (Saiu sem o v)

"Na nota 'Balão', da coluna Joyce Pascowitch, publicada à pág. 5-2 (Ilustrada) de 18/12, onde se lê 'bando Opportunity', leia-se 'banco Opportunity';" (21.dez.95)

"A peste pneumônica é transmitida por gotículas de saliva, diferentemente do que informou o texto publicado na pág. 2-10, no dia 24/09." (28.set.94) O texto afirmava que a doença era transmitida por filhotes de perdiz. Quem editou o texto procurou um sinônimo para perdigoto, que pode significar tanto salpico de saliva como filhote de perdiz.

"Texto de capa do caderno Ilustrada da edição de anteontem grafou incorretamente no primeiro parágrafo a palavra ortografia (saiu hortografia)." (25.fev.95)

"Saiu grafado incorretamente na edição de ontem o plural de fuzil-metralhadora. O certo é fuzis-metralhadoras, e não fuzíveis-metralhadoras, como foi publicado na pág. 1-14 de Brasil." (13.set.91)

"Por erro de digitação, foi grafado poço cartesiano, em vez de artesiano, na página 3-1 de sábado último." (16.fev.94)

"O músico Carlos Santana é guatemalteco, e não mexicano, como informou reportagem à pág. 4-3 (Ilustrada) de ontem." (12.mar.96)... "Diferentemente do que informou ontem esta seção, o músico Carlos Santana é mesmo mexicano e não guatemalteco." (13.mar.96)

"Diferentemente do que foi publicado à pág. 1-14 (Brasil) da edição e 19/3, a Segunda Guerra Mundial começou em 1939, os EUA entraram na guerra em 1941, a Guerra dos Seis Dias foi em 1967, o presidente Richard Nixon (EUA) renunciou em 1974, Margaret Thatcher assumiu o poder no Reino Unido em 1979, o Muro de Berlim caiu em 1989, e o Iraque invadiu o Kuait em 1990." (27.set.95)

 

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