Jornalistas do Globo agora batem ponto. Jornalão chia

O Globo reclama de jornalistas terem de bater ponto

No dia 1° de abril, jornalistas de O Globo passaram a assinar o ponto, uma antiga reivindicação da categoria, que o jornalão das Organizações Globo teve que atender, muito a contragosto, como se pode ver pelo texto aí acima, que é uma reprodução de parte da coluna Por dentro do Globo do dia 2 de abril.

“Uma longa tradição do jornalismo foi rompida”. Imagino que usineiros devam ter escrito algo semelhante no dia 14 de maio de 1888, um dia após a Lei Áurea: “Uma longa tradição no cultivo da cana de açúcar foi rompida”.

Sim, O Globo, às vezes as tradições devem ser rompidas. Ainda mais quando o fim dessa tradição era reivindicada há mais de dez anos pelos jornalistas de O Globo, segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ).

Mas, se O Globo começa mal, termina pior:

“Outra novidade é a jornada: em vez de sete horas, os jornalistas vão ficar oito horas na empresa – uma hora será dedicada, como determina a lei, para almoço ou descanso remunerado”.

Se não é pura chantagem, se o Globo quer mesmo que seus jornalistas descansem bem ou papem o papá todinho, tenho uma sugestão a dar: que tal considerar as sete horas como oito e liberá-los para que comam ou desfrutem do descanso remunerado onde quiserem?

Felizmente, o Sindicato não se rendeu ao Globo e deu uma reposta à altura, desmascarando as intenções patronais e também as de outros colegas jornalistas, que, em posição de chefia, são premiados “com altos valores, que dependem da redução de custos, muitas vezes em detrimento do investimento em reportagem”.

A seguir, a resposta do SJPMRJ a O Globo [os grifos são meus]:

Ponto x exploração. 'Ilegal, e daí?'

Algumas tradições do bom Jornalismo têm sido rompidas pela direção do Globo na tentativa de desqualificar a decisão de seus profissionais de exigir a obediência à lei por parte da empresa. Uma é o compromisso com a verdade; outra, o saudável costume de ouvir o outro lado. Conclusões falsas brotam de argumentos tortos, que não colam mais. O mais falso dos sofismas é de que o controle das horas extras impedirá o jornalista de trabalhar mais, quando necessário, para produzir informação com qualidade. Não há na ação judicial movida pelo sindicato impedimento a longas jornadas de trabalho, que o jornal já definiu como “jornalismo romântico”. O que as leis de qualquer país civilizado determinam é que as horas extras sejam pagas ou compensadas.

Trabalhar de graça nada tem de romântico. Do contrário, a abolição da escravatura teria sido um atentado contra o romantismo. Se for necessário para obter informação de qualidade, nenhum jornalista se furtará a trabalhar 24 horas em um mesmo dia. A diferença é que, com o ponto, passará a ser recompensado. Como nas outras empresas do mundo.

A coluna “Por dentro do Globo” desta quarta-feira, dia 2, afirma que o ponto foi uma “exigência” do Sindicato dos Jornalistas, jamais ouvido pelo Globo dentro do sagrado princípio de garantir espaço ao contraditório. A ética sugere que um jornal não defenda seus interesses de forma tão deselegante. O sindicato, que não está aqui para bajular patrão, apenas deu vazão a uma reivindicação de mais de uma década dos jornalistas do Globo. Não daqueles que, em alguns cargos de chefia, recebem vários salários extras no fim do ano, mas os que transpiram, horas a fio, para buscar informações de interesse público. Em resumo, os que realmente agregam valor ao jornal.

O excesso de horas trabalhadas sem remuneração é uma ilegalidade antiga que os profissionais do Globo decidiram rejeitar em assembléias democráticas. O Sindicato apenas cumpriu sua obrigação. Ele existe para defender os muitos da ganância dos poucos. O Globo não contou, nem em suas páginas nem nos comunicados internos, que várias vezes foi procurado pelo sindicato para negociar fórmulas alternativas ao cartão de ponto, mas a arrogância da direção não abriu espaço. Preferiu desprezar a força da mobilização de seus jornalistas. Deu no que deu.

Se o jornalismo é incompatível com o controle de horas extras e sua qualidade depende de longas jornadas não remuneradas, como repete todo dia O Globo, estaria a maior empresa do grupo, a TV Globo, praticando um jornalismo de segunda? Há muitos anos, com o apoio do sindicato, os jornalistas da TV Globo conquistaram esse direito, que se espalhou pelas emissoras de TV e rádio.

O Globo agora ameaça demitir, acabar com feriados ou exigir que seus jornalistas trabalhem no mínimo oito horas por dia como punição por terem cobrado seus direitos. Essa exigência não ocorre nas redações onde o Direito chegou primeiro. Na TV Globo, por exemplo, quem trabalha sete horas não é descontado em uma hora. A lei prevê, sim, o direito a uma hora de almoço, mas alguém acredita que um editor abandonará o fechamento ou que o repórter deixará uma apuração pela metade para correr ao restaurante? A burocracia à qual O Globo se apega nada tem de romântica. Não passa de ameaça para forçar os jornalistas a abdicarem de um direito universal: serem remunerados pelas horas trabalhadas.

Não é o setor de Recursos Humanos da empresa que perde o sono com a novidade. Pelo contrário: eles sabem que a legalidade previne dores de cabeça com fiscalizações e processos. Aqui cabe uma reflexão, que o nervosismo da direção faz alastrar pela redação. O plano de participação nos lucros do Globo premia poucos com altos valores, que dependem da redução de custos, muitas vezes em detrimento do investimento em reportagem. O verdadeiro temor, de poucos, é de que a empresa precise contratar mais pessoas ou pagar horas extras, reduzindo alguns tostões dos lucros da empresa e afetando o prêmio anual.

Ninguém condena um executivo por cobiçar prêmios. O que não é razoável é esperar que a maioria dos trabalhadores prefira, sorridente, trabalhar de graça, sem qualquer compensação ou controle de frequência, para garantir o prêmio de meia dúzia. É por isso que a chantagem não cola mais. Muito menos textos pretensamente glamourosos enaltecendo o passado “romântico” de ilegalidades. Se O Globo insistir em punir profissionais por reivindicarem seus direitos, o sindicato estará pronto para brigar, nas esferas judiciais e políticas, em defesa dos jornalistas. É para isso que existimos.

- Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

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