Rio, insegurança pública, 'segurança' privada

Durante o Encontro de Blogueiros neste final de semana aqui no Rio pude constatar que a máquina de propaganda do governo e da prefeitura do Rio está atingindo seus objetivos. Dos companheiros de outros estados com quem conversei todos tinham a impressão de que o Rio está vivendo um momento único de prosperidade e segurança. Todos saudavam as UPPs como uma grande novidade, que finalmente está trazendo a paz para o Rio de Janeiro.

Estão errados? Não. O programa das UPPs parece irresistível porque é extraordinariamente bem embalado para exportação e consumo interno de uma elite que quer apenas empurrar os problemas para longe dela (sobre isso leia aqui: Classe média racista e preconceituosa tem uma solução pra tudo: "Basta tirá-los dali".). O programa das UPPs é vendido como uma grande novidade e solução para a insegurança crônica, quando na verdade não é uma coisa nem outra.

Não é novidade, pois é apenas o aperfeiçoamento de um programa que já existia, os GPAES (Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais), com efetivo maior. E não é solução porque é simplesmente impossível levar o programa a todas as favelas do Rio - são quase mil contra 17 UPPs instaladas.

O programa é uma porcaria? Não. Tem o grande mérito de acabar com a exibição ostensiva de armas e a violência dos traficantes nas favelas em que foi implementado. O tráfico de drogas continua, mas agora sem fuzis ou "bondes armados" nesses locais.

Mas, tráfico não é apenas de drogas. Há o de armas, e este, expulso pela chegada das UPPs se deslocou para outros trechos da cidade (inicialmente o Complexo do Alemão, mas quando este foi ocupado também teve que migrar) e cidades vizinhas: Niterói, Itaboraí, São Gonçalo e Baixada Fluminense. Ou seja, o problema apenas mudou de lugar.

Como as UPPs até o momento instaladas o foram em áreas da Zona Sul da cidade, centro e bairros de forte classe média da Zona Norte e esse é o público-alvo do grupo de comunicação mais mais influente do Rio e do Brasil a aprovação ao programa se retroalimenta. Excelente para a imagem da cidade das Olimpíadas e da Copa do Mundo.

Convém lembrar que a Rocinha, maior favela do Rio, continua nas mãos do tráfico e o Complexo do Alemão é uma parte do território do estado ocupada pelo Exército, ou seja, sob intervenção federal (ainda que não declarada). Nessas duas imensas comunidades não existem UPPs nem a previsão sobre quando e se serão instaladas.

Mas não existem apenas traficantes de drogas e de armas. Existe um outro e muito mais perigoso agente nessa questão, os milicianos. Milícias são grupos paramilitares, em geral comandados por ex-policiais, que contam com o auxílio luxuoso da banda podre da polícia ativa para funcionar, como ficou provado na invasão do Alemão, quando armas foram desviadas para milicianos, que hoje funcionam como um programa de segurança pública privado, expulsando traficantes de comunidades e impondo a "segurança" paga aos moradores.

Agora mesmo o jornal O Globo publicou denúncia de que a milícia instituiu a "cobrança de 'taxas de segurança' a cerca dez mil moradores de 2.709 imóveis em 11 conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa. Minha Vida". Um programa do governo federal sequestrado pelos milicianos que chegaram a invadir casas:

- A situação no condomínio Ferrara é a mais grave. Lá, os milicianos aproveitaram que o conjunto ainda não havia recebido todos os moradores cadastrados pela secretaria e invadiram 143 unidades. Temos informações de que os imóveis estavam sendo vendidos. [Declaração do petista Jorge Bittar, secretário municipal de Habitação, na matéria linkada acima]

Várias ruas da cidade estão bloqueadas por cancelas, com guarda particular paga por moradores. É comum vermos nas portas de bares, restaurantes e boates homens imensos com óculos escuros "dando (na verdade vendendo) segurança" e mesmo pelas ruas homens com coletes onde se lê "Apoio" ou "Segurança". Geralmente são policiais em seus dias de folga fazendo um bico ilegal, usando geralmente a mesma estratégia das milícias: ou os comerciantes e moradores pagam ou "a insegurança de repente pode atacar, sabe cumé, doutor"...

O grande problema da insegurança no Rio de Janeiro não é atacado: é a corrupção policial acumpliciada com a corrupção política. O caso Allan Turnowski, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, por exemplo, com policiais trocando acusações de corrupção entre si e envolvendo campanhas políticas, caiu no esquecimento.

Na verdade, infelizmente no Rio a máxima continua sendo a de que segurança não é para quem precisa (e todos precisamos), mas para quem pode...pagar.

Mas, de resto, o Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo. O Rio de Janeiro, fevereiro e março. Aquele abraço.

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