Governador Sergio Cabral, “Pode-se enganar a todos por algum tempo. Pode-se enganar alguns por todo o tempo. Mas não se pode enganar a todos por todo o tempo”

Na primeira semana, do primeiro mês, do primeiro ano de seu mandato como governador do Rio, a concessionária do Metrô-RJ assinou contrato com o escritório de advocacia da mulher de Sergio Cabral, Adriana Ancelmo. Naquele mesmo ano, o Metrô teve o prazo de sua concessão estendido até 2038. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Fato semelhante aconteceu com a concessionária do serviço de trens, a SuperVia, também defendida pelo escritório de Adriana Ancelmo, que teve a concessão prorrogada até 2048. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Esses contratos produziram por diversas vezes a situação em que a esposa do governador advogava contra o estado governado pelo marido. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Quando questionado sobre as situações acima, o máximo que Cabral se permitiu dizer foi que Adriana é muito competente.

Como governador, desviou verba carimbada de prevenção a enchente e direcionou-a para a Fundação Roberto Marinho realizar o Museu de Amanhã, aquele museu que parece placa de boteco, Fiado (e Museu) só amanhã. Cabral "deu azar", porque logo em seguida veio a grande enchente da Região Serrana do Rio, que devastou cidades históricas como Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Nem em solidariedade Cabral deu as caras na região. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Fato semelhante ocorreu no grande deslizamento de terra no réveillon de 2009 em Angra dos Reis. Várias vítimas. Comoção popular. Mesmo estando na vizinha Mangaratiba, Sergio Cabral também não foi a Angra. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Não se pode negar que Cabral seja um homem de diálogo. Cabral sempre mandou o Batalhão de Choque da PM dialogar com grevistas: professores, bombeiros, médicos e até PMs, todos dialogaram com bombas, gás e cassetetes da tropa de Sergio Cabral. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Em sua campanha ao governo, ao lado de Garotinho, atacou o presidente Lula, que, segundo ele, não havia feito nada pelo Rio. Eleito, passou a atacar Garotinho e sentou-se no colo de Lula. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Mas o amor a Lula e ao governo federal, parecia ser apenas por interesse: em 2009, quando foi dito que Dilma poderia ter dois palanques no Rio (o outro seria o de Garotinho, cujo partido é da base do governo), Cabral chantageou ameaçando que nem sua mulher votaria em Dilma. Faz o mesmo agora, quando o PT pretende lançar Lindbergh ao governo do Rio. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Investindo centenas de milhões em propaganda todo ano, Cabral sempre foi blindado pela mídia. Tanto que escândalos de seu governo sempre foram publicados inicialmente pelo Estadão ou pela Folha. E escândalos não faltaram. Denúncias de corrupção grossa, especialmente nas áreas da saúde, educação e segurança pública. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Até que veio o trágico acidente na Bahia, em que se revelou a estreita ligação entre Cabral e o presidente da Delta, empresa com os maiores contratos do governo do Rio. E, mais adiante, os vídeos e fotos da famosa Gangue dos Guardanapos, publicados pelo seu padrinho eleitoral e hoje arqui-inimigo Anthony Garotinho.

A Delta caiu em desgraça, mas Cabral correu ao governo federal e usou a força do PMDB no Congresso para conseguir sair apenas chamuscado dos episódios. E Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Recentemente, reportagem mostrou o uso de helicópteros do estado para transportar Cabral, família, amigos, babá e cachorrinho do Rio para a mansão de Mangaratiba, ida e volta, toda semana, às vezes mais de uma vez por semana. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Tudo isso corria de boca em boca pelo estado. Mas eram murmúrios logo abafados pela falta de continuidade dos escândalos nas manchetes dos jornais e revistas, fortemente patrocinados pelo governo. Mas Cabral achou que não havia nada de mais nisso.

Então, vieram as manifestações de junho. Elas começaram em São Paulo, mas se espalharam pelo Brasil. E no Rio encontraram território próprio para se alastrar, e o personagem que virou símbolo da insatisfação nacional: Sergio Cabral.

Alguém falou recentemente em movimentação de placas tectônicas, que causam terremotos e maremotos, e essa é uma metáfora que cabe bem aqui, pois a insatisfação latente, o boca a boca desde sempre contra o governador, como um Tim Maia cantando "Me dê motivo", tudo isso veio à tona com a palavra de ordem "Fora Cabral". E dessa vez Cabral não achou que não havia nada de mais nisso.

Tentou medidas desesperadas, como aquela em que convocou pseudo representantes dos manifestantes acampados em frente a seu apartamento no Leblon. O tiro saiu pela culatra e a manifestação cresceu. De novo, Cabral usou sua ferramenta de diálogo, e o Batalhão de Choque retirou os manifestantes às 2h30 de uma madrugada chuvosa, usando de sua forma de convencimento: a violência.

Como menino mimado, que não gosta de ser contrariado e está acostumado a sempre se dar bem no final, Cabral não levou a sério o ditado que serve de título a esta postagem. Agora, paga por isso, sem o colo de Lula para confortá-lo.

Pior, com duas forças o pressionando de ambos os lados: as ruas e a mídia corporativa, louca para conseguir acabar com a parceria PT-PMDB.





Madame Flaubert, de Antonio Mello